Translate

maio 31, 2011

o primeiro beijo


das tuas mãos 
apenas o toque suado
desperta o mês das colheitas

e ao opaco dos dedos
côncavos diriges
ligeiros afagos à pele
que grita

sempre que me quiseres colher
será tua a minha pressa

e já não há tempo morto

dele fazemos
um novo grito de guerra
no limiar dos abraços

ao som do pára, arranca
contemplamos os nossos olhos
vezes sem conta
antes do primeiro beijo


NAF
31/05/2011

fábrica de sonhos


são vastos os interesses
firmados à terra
que fazem do querer um denso oceano 
aberto a águas poluídas

é urgente o amor
e dar-se sem contrapartidas

nos bancos fixos
onde deviam reinar os afectos
corre o desejo de riquezas

e os náufragos ao longe
esvaem-se por uma corda não segura
pelas mãos ocupadas com trocados

na fábrica de sonhos
apenas a morte não se compra
nem a vida se oferece

são vastos os interesses
firmados à terra
e poucas as mãos firmadas ao céu

é urgente o amor
é urgente dar com mãos abertas


NAF
30/05/2011

um novo começo


há uma ferida aberta na alma 
e um coração de carne
sangra de dor

as palavras magoam
ao pormenor e a defesa
é a única estratégia utilizada

mas quando lembramos os pés perfurados
e o sangue que cura escorre
nada mais importa

alguém seca as lágrimas
e na brandura das suas mãos
ouve-se um "estou aqui"

as pedras soltas ao vento já não atingem
e o antídoto é tomado
numa dose única

perdão dá-se num exercício de dor
como se fosse atirado ao céu
um pedaço de nós
mais uma vez
e outra vez

porque todos os dias são dias
para um novo começo


NAF
28/05/2011

maio 28, 2011

a nuvem


uma nuvem chegou a galope
derretendo o algodão
e o azul cinzento tingido
deu lugar à vida eleita

um arco multicolor brilhava
e viveu na voz de uma criança
que subia aos céus ao chapinho das poças
como um desafio à humanidade

todos os bicos de lacre se silenciaram
e os passos nas folhas caídas
ouviam-se entre gargalhadas desprendidas

fábrica de sonhos num refúgio de lavanda
que brotava dos olhos tenros

e todo o tempo que era calcinado
suou entre os favores
de uma terra húmida
cuja espinha dorsal reflecte sombras

ao longe todas as coisas têm reflexos
nas pálpebras ampliadas para o arco íris
nos olhos de uma criança


NAF
28/05/2011

o ritual do hábito


um ritual do hábito
faz correr um rio
de letras na minha alma

e as densas águas
jorram vicissitudes
dos lábios secos
e estendem um lençol dourado

mais um feto nómada é formado
para andar de boca em boca
de mão em mão

como um revesilho na manga
é o ritual em que te teço

pontos pardos de pedras
e pica-paus falantes
trocados por palavras gríficas

que operam na íris inquieta
um lento manjar de línguas nómadas
alheias ao canto núbil
das letras que correm na bica

como um ritual
tecido num doce desalinho,
que é preciso continuar


(NAF)
26/05/2011

paraíso


dizem que
o paraíso está longe
numa terra distante
e o seu horizonte não se alcança

inventam-se regras
e tácticas diversas
para um dia lá chegarmos

e regateiam-se bilhetes só de ida
pelo preço de um dia
ou de uma vida

outros há que afirmam
que a sua chegada está para breve
o que não de confirma

no entanto pode ser visto
ou entendido
por quem dele é servido

num filho que nasce
numa begónia que germina
no melro-azul que pousa diante dos nossos olhos

o paraíso é feito de gente e sonhos
o paraíso somos nós




(NAF)
25/05/2011

infância


quando a minha boca
não sentia o amargo
das bancas rotas

e o verde dos anos poucos
era o meu diário preferido

nas tardes que guardava no bolso
nunca faltou uma azeda

em que me deliciava
e suspirava pel'o que hoje
é o ideal da minha consciência


(NAF)
24/05/2011

maio 24, 2011

a terra chora


quando aprendemos
o que a terra
nos sussurra ao ouvido

e voltamos as costas
ao tímpano rude
e aos assobios de moto serras
engolindo montanhas?

quando diremos não
à morte dos oceanos
e ao velar dos peixes?

esta demora
trava uma batalha inglória
sobre os crânios das aves

e a terra chora

o mais simples
é suportarmos a sua dor
e cairmos no azul das pastagens

do outro lado da estória


NAF
23/05/2011

cântaros quebrados



vejo através da janela
que os meus olhos
se tentam abrir

nada é deixado ao acaso
pelo fluxo sanguíneo
atento ao pormenor
da objectiva

os teus braços continuam estendidos
desde o ocidente ao oriente

embora deles já pouco se lembrem
alguns levam-te para terras distantes
num pedaço de papel

e das paixões que em ti se escondiam
e boatos ou romances que em ti nasceram
já pouco resta
além de cântaros quebrados

meço cada centímetro da tua raiz
incólume ao abalo frenético das terras

e faço dos teus arcos o meu trapézio
alfacinha balançando ao sol
ao som do trânsito estagnado, que não bebeu
das tuas águas vivas


NAF
23/05/2011

os meus pés



os meus passos
são peso que tu
suportas toda a vida

a tua dor
não me convence
e sigo
prossigo

cambaleio
se for preciso
mas caminho

ingrata essa missão
de ires onde eu for

pisares o chão
quente ou frio
o ar
o mar bravo
se for preciso
e bater com energia para não afundar
sobreviver
correr apressada
ou dançar toda a noite
cair
deitar
descansar
só tu
me deixas repousar,
os meus pés
são heróis

nunca dizem não


(NAF)
22/05/2011

maio 21, 2011

debaixo do céu


todos os sábados
a estrada se move
ao seu destino

o caminho já é sabido
pelos pneus gastos
de uma estrada em brasas

o local que te acolhe aguarda
e as cegonhas limpam os ouvidos
atentas a algo novo

ouço os teus passos ao longe
pé ante pé firme
decidido

levanto a cortina
espero
e observo-te o caminho na direcção do amor

baixo a cortina
largo a torrada ainda inacabada
e saio correndo descalça

apenas a relva amarelada nos separa
e com passos largos vou ao teu encontro

nada melhor
do que um beijo
debaixo do céu

no lugar onde os braços cedem
move-se o tempo fugidio
enquanto tudo à nossa volta pára
e por momentos vivemos



(NAF)
21/05/2011

Jeanne


a tua face esguia
veio ao meu encontro
num sussurro

na escuridão que eu contemplava
a tua mão devolveu-me à sobriedade
quisera eu

do negro dos teus olhos nada via

e não os conheci
até te construir pelas cores
das minhas mãos

e dançámos em lugares nocturnos
num convincente sorriso dilatado
as nossas pálpebras
ao som de um violino

Jeanne,
tão cedo te perdi o corpo
mas ficaste comigo
com o teu ventre carregado de esperança



Retrato- "Jeanne de Modigliani" 

(NAF)
20/05/2011

Porque eu quero Acreditar



esperança
é o dedilhar uma viola
no meio de um furacão

é levantar a voz trémula
de encontro ao resto de querer
e não querer

é fazer
é fazer um turbilhão de pensamentos
num lago calmo sem talvez
ou porquês

é acreditar tão somente
no que os olhos querem ver
e viver na fresca escolha das palavras
e dos silêncios

é ir mais além
e porém não saber como
nem onde
mas tento

no saber que amanhã
será o dia
em que a esperança
se vai confirmar
como válida
e minha
Porque eu quero Acreditar

é uma janela sempre aberta
numa casa fechada



(NAF)
19/05/2011

Anúncio CM



amor precisa-se
de tamanho indefinido
e sem preço estipulado

embora haja quem queira leiloá-lo
e fazer dele um regateio
é livre de encargos

de preferência
de cor subtil
e que seja transparente

com contrato vitalício
tendo em conta as diferenças das partes

não se aceitam devoluções
ou troca por insatisfação

talvez possa ser em forma de abraço
ou apenas num bom dia
com uma pitada de um sorriso aberto

se estás interessado neste anúncio
contacta a pessoa mais perto de ti
começa já hoje
o bilhete é grátis




(NAF)
17/05/2011

maio 17, 2011

04:15 AM



Não me encontro
e no entanto adormeço
e encosto o coração

descanso
na ânsia de que a madrugada
me traga o ferver
de uma palavra

os meus olhos
por agora sem bússola nem mapa
procuram um porto seguro
e a íris rodopia

um galo
canta ao longe
a estorvar o meu silêncio

a bússola e o mapa
não se confirmam

mas sei que no entanto
ao encostar o coração
posso adormecer
sã e salva



(Naf)
16/05/2011

O Mundo é um Poema

Desde as avenidas entupidas
aos atalhos de terra batida
fazem-se contas à vida

e os cifrões ultrajados
déspotas de honra
e valores acrescentados
crescem (ou mirram) ao sabor de um investimento
de amor
ao primeiro extracto

e enquanto o acordo não vem
vão-se pondo os "c" deliciosos de infância
diversão partilhada pelos interessados
em mealheiros de letras e caracteres
alternativa sensata
a mais uma instituição

pelo menos as noites ficam mais leves
regra geral para quem trabalha com o corpo
e as gavetas livres de calmantes
hábito dos que com a cabeça lavam dólares

Nada de grave

o certo é que as mãos amam a vida
e os dedos servem um todo
de graça ou com alguma medida
o trabalho sabe sempre a pouco

restam alguns servos fiéis
servindo de luz num cofre escuro
digo-te, se fores um deles
não tenhas em conta este dilema
junta abraços por onde andares
porque o Mundo é um Poema.



(NAF)
15/05/2011

maio 15, 2011

Pela Estrada Fora


desde que 
os meus olhos 
te rasgaram

nas sebes
a luta é um fastio
de rastos

exílio
permanente
de civilizações

a morte em ti liberada
corredor
boca em silêncio

que os homens em ti cortaram
permissão de véspera
para morrer

nova sentença nocturna
pão de bolor
sem côdea

tardiamente no peito
acumulas carimbos
desembainhados de salivas

o festim
abre um espaço fértil
no teu corpo contentado

vagueias Pela Estrada Fora
o meu pobre silêncio
jamais será o mesmo



(NAF)
14/05/2011

maio 14, 2011

se eu fechar o coração



existem momentos
de cadeados fechados
e códigos secretos
intransponíveis

nada parece acontecer
e o grito das aves migratórias
já não me serve de alerta

outros há em que
os olhos alheios de esperança
pedem outro socorro
Absolutamente inadiável

podemos até esperar pelo amanhã
mas o que será o amanhã
da mão que se nos estende?

até podem pedras clamar
e o céu vir ao meu encontro
mas se eu fechar o coração
tudo à minha volta morre.



(Naf)
13/05/2011

h2o



fala-me de ti
preciso ouvir ternuras
no teu respirar

fala-me de ti
e da tua voz brotarão lágrimas
e sorrisos aguardados

são fartos os ossos secos
que se levantarão
ao gesticular dos teus olhos

fala-me de ti
e muros altos cairão
pela melodia do teu coração

e um caudal formulado fluirá
no meu ventre seco
sedento da Tua poção de h2o

se não me falares de ti
como poderei reconhecer-me
se não sei quem sou

eu não sou filha única
onde estão os irmãos
que me prometeste?

fala-me de mim
e entenderei que puseste
o sol e a lua nas minhas mãos

quando falas de ti
todas as palavras me são oferecidas
então sei quem sou
diante de Ti
na simplicidade do teu amor


(Naf)
13/05/2011

abro-me tímida



Há um sorriso
desbravado
no teu rosto

que contraria todas as minhas estatísticas
e abro-me tímida
ao oxigénio da tua boca

em turnos alternados
labutamos os beijos
sem pódio ou medalhas

enquanto o Ser e o Ter
competem entre si
num mundo que é só nosso
e que se resume
a um abraço gratuito

onde juntos inventamos
um novo modo de amar
onde me abro tímida para ti


(Naf)
11/05/2011

sonhos perdidos



sou filha de pai fecundo
em que os meus olhos se entrelaçaram
saindo dele por inteiro

tronco enxertado na minha boca
e ramos de um jardim esquecido
onde o seu nome foi gravado

em tempo certo vivi nos seus braços
a dor da ausência melancólica de uma kalashnicov
ao som da macieira de 1,5L

e da pátria quente nos braços frios de sonhos perdidos
fez dias de saudade da terra vermelha dorida
onde apenas a cacimba da floresta o envolveu

a perda do rugir dos leões levou o homem
cujo sorriso era distante
quando com um passo tentava alcançar a savana
com a pressa de quem nunca voltou para casa.



(Naf)
10/05/2011

Sonho disperso



Há dias em que dou por mim
a remar contra a maré das palavras
as sebentas preenchidas acumulam-se
na ausência de pássaros aquáticos
que anunciam um novo começo
levando uma impressão digital em asas outrora ausentes
saciam uma sede de sons na minha boca
fazendo perecer a crença simultaneamente vã e nobre
de que o amor é apenas alma
Apenas as horas estagnam
e nada mais flutua na minha cabeça
para além da vibração ao longe
de pássaros migrantes
retornando de um longínquo desconhecido
e corro tentando alcançá-los
na sombra fugidia de um verso
Mas a sua indiferença é anunciada
por entre a vasta floresta universal
onde as folhas caem sem pré-aviso ou cerimónia
e no meio de tentativas corajosas
tento absorver o eterno num sonho disperso
que se esvai por entre as densas lágrimas
Resta-me apenas aguardar por uma versão
impressa dos dias em lenços de assoar
enquanto aguardo de novo
o retorno de um bando colorido
que me encha os olhos de asas
E da vazante da maré
retiro as palavras cantadas
no entardecer de uma eternidade revelada
num gesto de funestas aves
derramando um cálice de vida
de uma caneta adormecida.


(Naf)
09/05/2011

braços abertos





bano do peito
parafusos e porcas inúteis
serviçais póstumas e ciumentas
de regras intransponíveis

que se pegam como peçonha
na vã esperança do conformismo
em que pago as contas do alheio
e é frequente esquecer-me das minhas

a dívida gera desconforto
e paro um feto fingido
e um fungo parasita de espécie rara
que envenena o meu pensamento

quando o abdicar traz felicidade a alguém
ou talvez nenhuma
deixo que ele nasça no meu peito
tenho filhos dependentes deste alimento

outros simplesmente procuram um abraço
sugam o amor de olhos escancarados
e cortam as mãos de uma flor fértil
onde todas as Marias da região
podem enfim descansar


(Naf)
09/05/2011

conceitos de amor





na hora certa
uma lâmpada reflete
o teu rosto de luz

eu misturo as sombras
mas a melodia dos teus passos
é como o esperado

e a porta aberta
colabora
com os sinais adicionais
de uma habilidade natural
que eu tenho
para estabelecer
secretamente
uma frequência privada
no meu interior

um mhz
só meu
para os teus passos

à procura
de novos
conceitos de amor


(Naf)
06/05/2011

maio 08, 2011

Bailado





Desejo de fome na alma
cercam o meu ser,
murmurinho que afeta
a minha paz, meu querer
fazem-me chegar a um lugar
para uns é crescer
eu tenho-o pela definição
o bailar do coração
Passo trémulo
ora quero, não quero
sei não sei
ensina-me tu, melhor será
quero ver o teu sorriso
o brilho do teu olhar
o calor da tua mão na minha
e baila o meu coração
é bom ver-te aqui
nada mais existe para nós
neste momento apenas agora
o teu tempo é nosso
ao ar que respiras funde-se o meu suor
e marcamos o compasso
de um ritmo secreto
tantas vezes travado
pelos medos do existencial
Baila, baila, baila na minha vida
surpreende-me, mostra-me o inesperado
faz comigo uma canção
o ritmo de um bailado meu e teu
nota a nota juntos numa composição
Paixão que eu permito
serás sempre assim
vens firme e galopante
como um Quixote, não vacilante
procurando por mim
num bailado sem paixão
na vida não tem solução
mãos unidas, musa da alma
corre depressa, tiras-me a calma
e baila o meu coração.


(Naf)
04/2011

City Lights


Existem momentos 
Em que tudo é igual

Tento encontrar respostas
Para teorias esquecidas na gaveta
do Tempo

Controlar o incontrolável
perseguir o que está do meu lado

meço cálculos e volumes
de possibilidades
de mais um dia
uma noite, um dia
uma noite

torno indispensável
a satisfação do quero
num hoje imperceptível

quero tudo em movimento
mas por vezes basta-me apenas
cruzar os braços e nada mais

to find my City Lights.


(Naf)
15/04/2011

Gui


Gui mulher da vida
o que é feito de ti agora
curas tu toda a ferida
sofres por dentro
sorrindo por fora
teus sonhos são escondidos
nos lençóis de quem te adora
satisfazes corações feridos
acariciando quem chora
embriagas por teus meios
o carente desconhecido
ouvinte de frustrações alheias
atenuas com teus seios
vendes teu corpo e teu ouvido
Gui mulher vivida
por tantos lugares andaste
onde pisam teus pés agora
correm rumores que te esforçaste
teu destino transformaste
hoje te chamam Doutora


(Naf)
04/2011

a Árvore


Um dia apreciarão
a vida de outra forma

quando as rosas vermelhas
não forem apenas rosas vermelhas
mas poemas de amor

e da Árvore
que nos aguardava
farão um monumento ao prazer
proibido

Um dia erguerão
lá para os lados da Moita
uma estátua em nossa honra
que será como uma fonte
de desejos secretos

nela haverá Sempre incenso
e flores murchas
e uma festa será feita todas as primaveras
com o nosso nome

quando a morte for o nosso lar
serão feitos estudos e pesquisas sobre nós
mas nada irão entender

um dia,
ainda nos vão amar.



(Naf)

 12/04/11

maio 07, 2011

coisas de sábado



algumas coisas
faço apenas ao sábado
pela manhã

nem sempre pode
um café durar longos minutos
numa esplanada
num sítio qualquer

não abdico desse direito
aos sábados deliberadamente
entrego-me à preguiça
coisas de infância

apenas ana karenine
me faz mexer os olhos
enquanto o contemporâneo aguarda
sem guerra nem paz

e um cachorro ali perto
baba-se todo enquanto
me delicio no pastel de nata
livre de influência do poder das trevas

na mesa ao lado vozes
compõem confissões acerca
das histórias de um cavalo
perdido nas redondezas

estou satisfeita
porque existem coisas só minhas
que guardo especialmente para fazer
a um sábado de manhã


(Naf)
30/04/2011

Pintura de:
©Tavik Simon ”Mulher numa esplanada de Paris”. 1905

maio 06, 2011

petição ao silêncio



do coalho de um silêncio
retirei um desfile
de sons estridentes
que se apressaram em
sair por uma janela rústica encostada
obedecendo à minha mão
pronta a fazer de um pouco de celulose transformada
um jardim de flores silvestres
e lagos azuis de prata virgem
é um método furtivo este
de exigir ao silêncio
as palavras de que me queixo
chegam como batalhões
de estrelinhas inquietas
e como aparição pousam sobre a minha cabeça
e a cada passo do silêncio
recomeço um novo futuro
e gasto de novo as reservas da minha memória
num despertar descontínuo de mim mesma.


(Naf)
05/05/2011

a linguagem do amor



nem sempre uma pedra
pode ser preciosa

embora todas possam ser
moldadas de forma igual

todas têm características únicas
perfeitas aos olhos de quem as toca

até as mais rugosas são belas
na sua essência natural

o amor baseia-se em mãos
de quem lapida um coração

e é talhado com o tempo escasso
dos dias apressados

envolvendo-nos no azul
onde nascem rosas em olhos áridos

somente quem deixa o amor sair
numa palavra transparente

reconhece o abc de linguagem tão vasta
elaborada por este dicionário universal

ou talvez até num simples olá se encontre
uma forma de amar necessária à espécie

o amor por vezes está longe, em terra distante
e são consultados bússolas e mapas sem sucesso

a linguagem do amor dispensa artefactos
e é falada em todas as línguas e dialectos
de quem abraça com a boca.


(Naf)
04/05/2011

maio 05, 2011

a máquina



descrita como corpo
função comer dormir e outras coisas mais
em noites frias o teu esforço foi suspeito
nas ruas friccionadas pela miséria
alguns diziam ser máquina mecânica
inanimada sem o eu insignificante
executor de frequência respiratória
dono de tosses e vómitos ao som do fado
instrumentado por espírito especializado em cavalo
maquinado por dedos e bocas perenes
numa valeta qualquer dos subúrbios
onde mulheres lambem máquinas
em troca de papel colorido e poluído
pela fumaça de uns charros
dos agarrados na esquina pérfida ao lado
que vagueiam procurando beatas inacabadas no lixo
passeiam passos largos pela liberdade
estendendo a mão aos topo de gama que por ali passam
que deixam cair um pedaço de metal sujo
nas mãos de uma máquina humana à espera de ser abatida.



(Naf)
03/05/2011

maio 01, 2011

ponto final

hoje as lágrimas
são menos salgadas
porque no topo da montanha
se cantam hinos
ao ponto final
parágrafo da história

no céu que já caiu
apenas se ostenta o vazio
de uma bandeira branca
num dia interminável

e no rio azul de prata
já nada corre
excepto a lavoura das canetas gastas
em papel de rascunho
não reciclável

de tudo o que vi
apenas as andorinhas
Te escaparam por entre os dedos
ficando incólumes
sobre a minha cabeça

(Naf)
28/04/2011

coisas minhas



Oh! se eu pudesse imaginar
uma só letra fresca
pertença de alfabeto inédito

se eu pudesse imaginar
os picos de um monte
com aroma de flores ainda não descobertas

se eu pudesse imaginar
o fogo da tua boca
aquecer muros envoltos em musgo
no meio da geada

se pudesse imaginar
voar nas tuas asas
e irmos à procura de
um caminho ainda por inventar

pudesse eu imaginar
o céu pintado de uma cor
ainda por criar

pudesse eu imaginar
sons áureos repletos de brilho
onde as estrelas caem
e o sol e a lua finalmente se acham

nada me seria vedado
e o tempo seria sempre pouco
em qualquer lugar
assim o possa eu imaginar



(Naf)
29/04/2011

restos do tempo



restos do tempo
são-me oferecidos
em palavras agridoces

e o júbilo de ontem
é tragado pelas migalhas
do improvável

restos enxertados
de um pavio de tempo
desocupado

talvez seja por isso
que deixo por onde passo
o agreste caminhar dos esquecidos

e nos restos
que me deleito
rugem leões à solta
retirando o meu encanto

e no arquivo privado
paixões fulminantes
são acesas em rastilhos expirados

onde estórias do amanhã descansam
num resto que me dás
em tempo indeterminado


(Naf)
27/04/2011

Sonhos Desconhecidos



Amo-te
palavra que não se reduz
a dicionários
aprisionados

Amo-te
só se diz com flores
no coração
e de olhos fechados

Amo-te
é dar-te a mão
e deixar-me voar
até nós

por vezes
O amor é um pássaro
numa gaiola aberta
nos teus olhos

outras
é como sede
de um líquido só
existente na tua boca

contudo,
dá-se com sorrisos lambuzados
e por vezes
com lágrimas

amo-te
é mergulharmos
às profundezas dos
Sonhos Desconhecidos

E não voltarmos à superfície


(Naf)
26/04/2011

Toca a Rufar





hoje os tambores estão a rufar
e o fogo de artifício
relembra
vitórias e fracassos
de um cravo murcho
nação que já não canta
e corpos dançantes ao som
de um Jorge Palma Frágil
é prenúncio de que
ainda pouco nos tiraram
da liberdade de falar
os anos incertos
e canudos guardados
na rua dos desocupados
estão prestes a terminar
"à que ter esperança", dizem alguns
em vila morena
bifanas e farturas
ordenam esta noite
nada falta
excepto delícias de um cravo no bolso
e a herança do povo Coragem
num dia eterno de Primavera.


(Naf)
25/04/2011