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junho 29, 2011

pequena migalha


para mim
o céu é
lá em baixo

a um passo,
uma brisa
de continuar

sem esforço
grito em fragmentos
suspiros

mas quero viver
e espero
que a pressa divina

me sacuda
para o lado oposto
do silêncio

sem ouvidos
nem boca
apenas
uma
pequena
migalha
útil
de esperança


(NAF)
28/06/11

se me deixares voar


sou uma ilha
no meio
de tantas outras

um navio em mar alto
de porto
em porto
sem horizonte
em passos lentos

mas não sou
o sinal de fumo
que avistas da tua íris

guardo-te comigo
para onde quer que vá
se me deixares voar

sem ti


(NAF)
28/06/11

no Hálito da lua


Que posso fazer
quando as ondas acutilantes 
me cercam
em danças de mil pés

sem os teus braços
envoltos de Frente
da maré das sementes
de miosótis

e um frio na alma
em fardo perpetuado
de sílabas latentes
em dó maior

no Hálito da lua

de novo acordada
enquanto o corpo penetra
os lençóis vazios
de ti


(NAF)
24/06/11

arte de crescer


há uma concha fechada
no fundo de sal
de lágrimas coberto

um floco de areia
e um grito de dor
anunciado

na mão
aos olhos se eleva
qual pedra
beijada pelo silêncio

com nácar
e um amor intemporal
envolve-se
sem gaivotas
ou anzóis
à vista

dela nascerá uma pérola
e o seu coração
jamais será ofuscado
pelo seu brilho

(NAF)
24/06/11

junho 22, 2011

duelo de anjos


há uma linha ténue
entre o antes
e o depois

um acordo colorido
entre o céu
e o inferno

que asfixia
todos os seres
caídos

no chão

a cidade dos loucos
cujas palavras
são o perigo eminente

atiram-se cardos
e pedras embrulhadas
em laços cor de rosa

é mais um dia em que
a esperança é aguardada
no subir
e descer
ténue
das minhas pálpebras


(NAF)
22/06/11

junho 21, 2011

Lábios


Paixão é dor
quando acolhida
por quem na vida
não tem tempero

procuram-se as memórias
dos vestígios
do equilíbrio 

roteiros e instruções
são tempo perdido
para o inexplicável

e só tu podes ser o mapa
bússola
de mim

paixão é dor
quando acolhida
sem balança

é forte absinto
o que tomo 
dos teus lábios
que me embriagam

(NAF)
03/04/2011

junho 20, 2011

entrega

mergulhas 
nos meus olhos
as tuas pestanas
uma
a
uma
deixando-me
naufragar
na maré
dos teus beijos
e posso apenas 
esperar que as borboletas
do teu estômago
ganhem
mais uma viagem
pelo meu corpo
livre
e descomplicado



(NAF)
20/06/11

rasgando o céu


Das palavras que leio
e do papel que acaricio
irrompem dois braços
que me despertam

e uma criança rasga o céu
de cima para baixo
tocando na vela de um barco
ancorado às suas mãos

levanta-se um vendaval
e o barco treme, vacila mas adormece
o menino, fecha o céu e afastando-se
acorda com as ondas

Na ponta dos dedos

das letras que vejo
nenhuma existe nas suas aventuras
ainda que todas elas tenham o reflexo
do oceano nos seus olhos


(NAF)
20/06/11

nardo puro


As estrelas já caem 
E os pirilampos correm
no tecto de negro cingido 

rente ao chão flutuante
um passo desenhado a luz
desperta todos os sonhos

és tu quem tem passado
e marcado com alabastro
as linhas do meu rosto

sempre que passares por mim
da minha boca brotarão flores
que perfumarão os teus pés

e por entre a virtude do teu cabelo
vou retirar um bálsamo
para todas as estrelas perdidas

(NAF)
19/06/11

junho 18, 2011

ao ritmo da pele


nos meus caracóis
floresce o verão
pronunciado pelo vento norte

que nos veste de papoilas
e povoa os corações
com cerejas maduras

e de um sumo intenso
que se saboreia entre raios de sol
entrelaçados nos lábios

As libelinhas azuis
de volta do umbigo
já dançam ao ritmo da pele

enquanto o beijo de mel de rosmaninho
é produzido de boca em boca
e o amor nasce das cerejas

(NAF)
17/06/11

pequenos detalhes


dos teus olhos recolhi
as pétalas que deles brotavam
Desenhadas por entre odores
de caneta de tinta permanente

entre jogos de corpos selados
no meio de ramos de sobreiro
há um leito de pardais que se beijam
Chamando a nossa atenção

O tempo leva-te para longe
mas fica o teu odor a gomas de morango
e nos meus cabelos soltos
o abraço das tuas pestanas

(NAF)
17/06/11

mãos sonhadoras


há um uivo 
trazido pelo vento forte 
no meu cabelo
um assobio ao longe
que me sacode a saudade

e disfarço o meu olhar
na esperança do encontro
que ajeito entre os meus dedos
de mãos sonhadoras

e começo uma dança folclórica
castanheiro de três cordas
ungido com uma pomada de flores silvestres
ao ritmo do assobio
do ar que em mim circula

passo a passo
dedo a dedo
entro em ebulição
ao desembaciares os meus olhos
ao ritmo do teu aconchego
ainda ao longe

(NAF)
15/06/11

junho 14, 2011

fragmentos de lágrima


é avistado um brilho
no teu olhar terno
que não recua e escorre 
refrescando o rosto
e à pele é dada uma nova forma
de hidratação natural
por entre as pálpebras,
como comportas abrindo-se
para o fluxo salgado
e das pestanas já pegadas
o pó é lavado
ficando assente num grito contido
em cada fragmento de lágrima
que é tecido ao som de um qualquer sentimento
ponto por ponto
gota por gota
assim é curado um coração

(NAF)
13/06/11

escalas e pódios


no baú escuro fluente da vida 
onde habitam as letras
existe uma balança corrupta

n'alguns sem peso nem medida
noutros a comporta
é devidamente amestrada

para aqueles a quem a balança
desafina na procura ou desalento
as palavras que adormeceram

ouvem-se gritos de silêncio
ensurdecedores à indiferença
que se resumem a um clamor de olhos secos

são carneiros deitados no altar
na expectativa de que o louvor celestial
lhes quebre o silêncio indesejado

nada, absolutamente nada
é tão horizontal como a voz do que opina no vazio
e faz uso das vísceras mentais para o nada

apenas uma coisa é mais eficaz
aos bem falantes argumentistas
triados entre escalas e pódios

quando os orifícios da carne vaidosa
cumprem uma pausa no dia em que pesam a alma
caem, oferecendo a sua língua aos mudos renegados

as palavras serão hóstias que libertam
e as rendas do passado replico serão desfeitas
quando a voz que clama no deserto não mais se ouvir


(NAF)
12/06/11

a notificação


já fui um galho frágil
por entre outros troncos
que me empurravam 

e uma estrada sem saída
em que os atalhos
andavam em círculos inconstantes

nada do que foi se aproveitou
e não me larga esta saudade
que as mãos de versos retalham

fazem-se poemas de inquietação
no meu coração tranquilo
e em silêncio

enquanto o húmus da alma
é notificado de um sorriso insaciado
corrompido pelas desventuras
de gente que persiste

(NAF)
11/06/11

junho 11, 2011

segura em ti


ainda que a rosa
floresça no meu peito
e os espinhos corram no meu sangue
serei um veio que ecoa no riacho

tentei até aqui guardar os teus olhos
num jacto de chamas
reluzentes e selvagens
que giram em torno da terra

como um navio em alto mar
em que a suficiência dos seus segundos
e as marés que desbrava
são os faróis que o iluminam

onde irei eu sem ser convidada
se as estrelas traçam um fosco brilho
sombrio que geme ao redor dos medos
cobrindo o leito da madrugada rindo-se dos próprios fins

como uma ferida que dói
e arde e cura e fica para memória
onde irei eu se o tempo já escurece
e o dó é menor lá no horizonte do transcendente

certamente ficarei pelo impulso vivo da minha mão
segura em ti, que não me cobras o céu


(NAF)
10/06/11

os donos da sorte


as pérolas nas suas mãos
são ninfas da solidão 
que fazem adormecer
as latitudes do músculo pulsante

rendido ao sacramento dos restos do tempo
em que nada acontece
porém não abranda
e segue em passo descontinuo de desespero pelo vazio

que se apresenta como que num altar
agente do mundo inteiro
flácidos protestos de gritos transparentes
levados ao limiar da fraqueza humana

pêndulos, dizem eles
fazendo uso de franquias e despojos alheios
são pérolas que se arrastam
por entre os donos da sorte

(NAF)
09/06/11

junho 09, 2011

o peso do olhar


tu não és o meu consolo
porque me olhas assim?
és alto, eu sou grande
já não quero caminhar

não importa se o sol brilha
por trás de ti
tu marcaste a hora
da minha escuridão
anseio por esse dia

vou poder voltar ao sonho
livre do peso do teu olhar

embora as minhas forças insistam
as minhas mãos desistem
na saudade de um afago
porque te ris do meu abandono?

quisera eu poder viver
para te poder ensinar
o amor,
mas tu não queres

NAF
07/06/2011

pavões e riquezas


por baixo do céu
vivem sonhos 
de pavões e riquezas

e conceitos distintos
de como alcançar
o topo do conforto

quem olha de cima
apenas consegue ver
o empenho das formigas

quem olha de baixo
não olha
espera pelo dia
em que o céu a terra
serão a mesma imagem

por baixo do céu
apenas o sol e o ar que respiramos
são um exclusivo
de todos nós

NAF
08/06/2011

do outro lado


na nossa cidade
há uma montanha 
de betão e arame farpado
que rasga os nossos sonhos

ela estende-se
pelas gargantas das avenidas
calando gritos de liberdade
embrulhados em peitos abertos

o meu sangue está do outro lado
metade do meu peso
a outra parte da taça
que os meus olhos bebem

para te dizer adeus
pouso as mãos no céu
e toco-te no meu espaço
vazio dos teus braços

não é preciso conversar
apenas esperar que tu passes
riscando o ódio das fardas
que não podem apagar o amor

há muito que espero um sinal
e que o batimento divino
dê um empurrão às vidas turvas
sem um horizonte
do outro lado


(NAF)
07/06/2011

junho 06, 2011

ondas do ocidente


eu sou uma névoa
nas asas do vento
onde nenhum homem escurece

sou um mistério
misturado entre glórias e misérias
ao fundo o silêncio de que dependo

sou um jardim regado
de cânticos cativos
ao limiar da minha existência

ao ver-te chegar nas vagas
do mar nocturno
conheci o viajante trazendo a sede
da terra leve

então morria eu
e a solidão perdeu altura
revelando a liberdade do nós

o obscuro nunca o vimos
tais eram as oferendas entre as folhagens
na mais calma de todas as fronteiras

as ruínas nunca as via
ao redor do medonho trazido pelas ondas do ocidente
que me cobriram de mármore

eu sou uma névoa
nas asas do vento
onde nenhum homem escurece

mas haverá sempre quem grite
pelo fim dos impérios serenos


NAF
04/06/11

libelinhas fugitivas

hoje acordei 
com flocos de algodão doce
presos aos meus olhos
que dançavam ao som
do bater das asas dos pardais
ao agitarem o orvalho
dos calamos húmidos
na sombra das frestas
ainda frias e meio adormecidas
depois de uma valsa com a lua
nos lençóis de cetim ainda quentes
pousaram duas libelinhas
que me trouxeram os bons dias
traziam consigo uma flor púrpura
que me entrelaçaram no cabelo
e fugiram a correr logo a seguir
deixando as asas atrás dos meus ouvidos
que bom ter manhãs assim
quando sem me levantar
ainda posso ver
para além do que não consigo
e observar os pardais
ainda que não os veja
hoje acordei
e isso é tudo o que preciso
para ser feliz


NAF
04/06/2011

respirando de dentro para fora


quanto ao resto não sei
mas a alegria até podia ser um tributo
dois palmos acima da solidão

como o dia da mãe
ou o dia da árvore
assim devia haver
o dia dos solitários

nesse dia seria declarado feriado
e um dever seria instituído
o de abraçar quem mora ao lado
tantas vezes só

que quase sempre apressa
o coração
respirando de dentro para fora
do seu abandono

passo a passo
seriam postos remendos quentes
e o fardo da invalidez altiva
caía nesse dia

e por momentos
a natureza do homem
lhes seria oferecida por inteiro
sem a renúncia do corpo


NAF
03/06/2011

a quimera perdida


desde que te conheci
a erva do meu jardim
cresce mais depressa

as joaninhas
andam mais confusas
e perdem-se no caminho para casa

os reflexos de ontem
misturam-se com a saliva da eternidade
do hoje

desde que te conheci
o mundo gira ao contrário
e o horizonte está ao alcance de um dedolhar apontado

a quimera antes perdida foi achada
ao ladrilhares o meu coração
com os teus suspiros

NAF
02/06/2011

está na hora


está na hora 
do perdão
e da caridade 

é urgente
lavar as costas
com sabão

e dar um mergulho
no mar morto

de planear
uma escalada ao monte
das oliveiras

está na hora de tentar

é mais uma possibilidade
para encontrar a cruz
que se prova vazia

ou apenas
abraçar
acolher
recolher
e só isso mesmo

de se dar
e não receber
e não querer o sim
mas o não que não se quer

está na hora
das bandeiras brancas

está na hora
de abrir as mãos
e continuar
com o intérprete da cruz
na minha boca


NAF
02/06/2011

junho 02, 2011

sacrifícios inertes


o nariz de Deus
cheira a pó disperso
feito de gente imperfeita

são poucas as peças inteiras
e os pedaços estendem-se pelas arribas

aos quatro cantos é apregoado
o fim dos sacrifícios inertes

já não há vasos quebrados nas planícies do exclusivo
e são moldadas novas espécies de amor

onde só os mais fracos sobrevivem
e os feitos de pó
dispersam-se pelo desconhecido

onde as águias assobiam na gaiola
sem saberem o porquê

e o canto dos gafanhotos já não assusta
onde o verde se renova no azul
implodido no meu bem querer

para lá não se levam vasos às costas
apenas uma casca nua
que um espelho não reflecte


(NAF)
01/06/2011

as pedras também choram


não perdi o evento do ano
quando um carrilhão de pensamentos
talhados ao som de uma fisga certeira
me foram oferecidos esta tarde

os olhos de um rapaz arisco
apontam para o alvo fácil,
são cegonhas que dançam
ao som da trombeta

o leito do rio é espelho
de um helicóptero que passa alheio
ao que voa no mesmo ar
cúmplice

ao serem lançadas
o riso amargo ressurge
e as pedras choram
cortando-lhes a ponta das asas

e tu, que tens telhados de vidro
não queiras para ti
uma fisga de açúcar
com sabor agridoce


NAF
01/06/2011